Direito <i>à la carte</i>
O Governo PSD/CDS parece cada vez mais convencido de que pode interpretar a seu belo prazer o conceito de Estado de direito, deixando claro que para a direita mais reaccionária já não basta, para atingir o objectivo de colocar o País ao serviço do capital, fazer de conta de que vivemos num Estado de direito democrático, ainda que reduzido à expressão mais simples de realização periódica de eleições.
Deixando de lado, neste apontamento, o facto não pouco relevante de que a democracia representativa – apesar de todas as suas potencialidades – não ser mais do que uma parente pobre da democracia participativa, vale a pena lembrar que o Estado de direito não é propriamente um serviço à la carte onde os governantes de turno vão escolher as receitas que a cada momento melhor se aprestam às políticas que pretendem implementar.
Viver num Estado de direito significa que os poderes instituídos, tal como todos os cidadãos, devem respeito às leis vigentes. Dispondo o Governo de uma maioria no Parlamento – que é como quem diz tendo garantida a aprovação das leis que impõe ao País – e contando com um Presidente da República do seu espectro partidário, seria de esperar que pautasse a sua acção pela legalidade. Puro engano. Um governo, uma maioria e um presidente não bastam para a sanha destruidora dos direitos conquistados pelos portugueses de que o Executivo está imbuído. São necessárias medidas «excepcionais» para a situação de «emergência», alega o Governo, que evoca a «equidade» para o roubo nos salários, pensões e reformas, para o aumento de impostos e a imposição de uma sobretaxa de IRS de 3,5 por cento, enquanto enterra milhares de milhões de euros dos contribuintes para salvar a banca fraudulenta e entrega todos os recursos do País à voragem dos predadores nacionais e/ou estrangeiros. Numa palavra, é preciso suspender a Constituição – enquanto não for possível alterá-la de forma a desfigurá-la de vez – para que o que é constitucionalmente proibido seja vertido em forma de lei de molde a espoliar o povo português até ao tutano: de rendimentos e de direitos.
Eis, em síntese, o que pretende o Governo. A bem da nação, evidentemente.